sexta-feira, 30 de abril de 2010
Romance latino-americano e redentor
Domingos Pellegrini, especial para a Gazeta do Povo
Londrina - Não é novidade o surgimento de um novo romancista, mas certamente é se ele tem 53 anos e o romance, além de maduro, mostra mão de mestre. O londrinense José Antonio Pedriali publicou em 1985 seu primeiro e até há pouco único livro, o memorialista Guerreiros da Virgem, sobre sua passagem pela organização Tradição, Família e Propriedade, a TFP. Agora, como para se vingar do atraso, o romance Fuga dos Andes é tocado com fineza narrativa e madureza política, a indicar uma evolução não só do escritor como do próprio romance latino-mericano, que se tornou gênero distinto com Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez e Manuel Scorza, entre outros.
Como esses mestres, Pedriali arrisca-se na política, enfiando-se nas entranhas da organização peruana guerrilheira Sendero Luminoso e, ao mesmo tempo, na rede de informantes policiais montada para desarticular a organização. O conhecimento do autor, num e noutro mundo desses mundos paralelos, é muito convincente e envolvente, evidenciando a expertise de quem foi repórter do jornal O Estado de S. Paulo, no Peru, no auge do senderismo.
Permeando o confronto entre o delírio ideológico dos senderistas e a esperteza fria dos policiais, vai também sendo traçado, com lirismo delicado e envolvente, o caso de amor entre o repórter protagonista e uma líder guerrilheira arrependida dos desmandos senderistas.
É uma receita propícia para deslises narrativos, que Pedriali supera com admirável competência, manejando a linguagem com criatividade, sempre roçando na poesia sem perder o fôlego narrativo. Essa receita é enriquecida pela inserção de notícias, corroborando fatos verídicos (o romance parte, por exemplo, do assassinato equivocado de oito jornalistas por camponeses, que julgavam estar matando senderistas que infernizavam as aldeias em nome da utopia comunista).
O painel de focos e visões divergentes se acentua e ganha pungente humanidade com o depoimento de um camponês ao repórter, inserido ao longo da narrativa, evidenciando a ingenuidade e o sofrimento daqueles que, conforme Camus, “sofrem a História”. Essa terralidade crua ganha, entretanto, magia, por meio de pitadas de realismo fantástico bem dosadas e inseridas de modo a elevar todo o romance a uma redentora espiritualidade.
Também pungente se torna o romance entre o repórter e a ex-guerrilheira, com momentos de aguda e trágica poesia. Ao final, a sensação é de remissão, diante da evidência de que a arte redime até a má política, justiçando-a com humanidade e beleza. E o chamado romance latino-mericano, que parecia esgotado, renova-se vigorosamente, com uma fineza e uma maturidade também redentoras.
Ressalvado o pecadilho do autor, em algumas passagens, intrometer-se na narrativa com informações que podiam ser fornecidas ao leitor pelo protagonista repórter, a convicção que fica é que nossa literatura ganhou uma obra-prima.
Serviço
Fuga dos Andes, de José Antonio Pedriali. Record, 397 págs., R$ 57,90.
link
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=954179&tit=Romance-latino-americano-e-redentor
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