terça-feira, 15 de junho de 2010

Fuga dos Andes


Livro do jornalista José Antonio Pedriali mistura ficção e fatos em romance ambientado no Peru

‘Os jor­na­lis­tas es­tão acos­tu­ma­dos a tra­ba­lhar com pou­co es­pa­ço pa­ra es­cre­ver, en­tão, quan­do há ­mais es­pa­ço con­se­gui­mos apro­vei­tá-lo ­melhor’

Folha de Londrina

6.11.2009


Mistério, intrigas, espionagem, violência e amor são bons ingredientes para um romance, mas é preciso que o escritor saiba misturá-los na medida para prender o leitor. ''Fuga dos Andes'' do jornalista José Antonio Pedriali traz todos os ingredientes numa mistura saborosa e atraente, que prende o leitor. Os fatos reais dão um tempero a mais à trama.

O livro tem início em 1983 quando o jornalista brasileiro Humberto Morabito, em férias no Peru, fica sabendo do assassinato de guerrilheiros do Sendero Luminoso por camponeses. Morabito então vai ao encontro de um grupo de jornalista peruanos que estão indo ao local das mortes para investigar, mas no caminho conhece e se envolve com a misteriosa Beatriz. O encontro o faz desencontrar-se do grupo, que é brutalmente assassinado ao chegar a Uchuracay - um pequeno povoado nos Andes.

O massacre abala o mundo. Morabito mergulha no país em busca de informações sobre a guerrilha, o exército, os moradores das comunidades andinas e também da mulher que salvou sua vida e por quem ele se apaixonou perdidamente. Fatos reais se mesclam à ficção criada pelo autor que confessa haver situações no livro vividas por ele no Peru. Em pelo menos duas o leitor consegue perceber que o autor vivenciou os fatos. O texto de Pedriali traz uma narrativa tão informativa quanto envolvente, reunindo de maneira criativa jornalismo e literatura.

Pedriali levou exatos 100 dias para escrever Fuga dos Andes, mas a gestação do livro levou 20 anos. ''Eu estava em férias no Peru na época dos assassinatos e pensei que aqueles fatos renderiam uma boa história. Levei 20 anos até conseguir transformá-los em livro, mas valeu a pena porque nesse tempo houve o trabalho da Comissão da Verdade e Reconciliação que investigou e com acesso às informações pude dar um final para os massacres.''

Ele conta que além de ter informações sobre os fatos por ter ido várias vezes ao Peru, também fez muita pesquisa. ''No livro cito o nome de hotéis, pratos típicos e para isso a internet ajudou muito. O relatório da comissão também.'' Dois personagens do livro foram baseados em depoimentos apresentados no relatório. Davi, um menino pastor transformado em comandante da guerrilha, e Telésforo Galvez Gávilan, que relata os assassinatos em Uchuracay sob o ponto de vista dos camponeses. Durante a fuga pelos Andes o leitor tem uma mostra das intempéries das montanhas e da floresta na região amazônica.

O autor diz que o fato de ser jornalista facilita na hora de escrever porque consegue selecionar melhor os fatos. ''Os jornalistas estão acostumados a trabalhar com pouco espaço para escrever, então quando há mais espaço conseguimos aproveitá-lo melhor. Acredito que conseguimos trazer o leitor para o texto e prepará-lo para momentos de mais aridez da história.'' Mas ressalta que o livro e os personagens se impõem ao escritor. Pedriali explica que no roteiro inicial havia os fatos e o romance entre Humberto e Beatriz para amarrar bem o relato, mas que no momento em que foi escrever as reportagens que produziu na época acabaram entrando no livro com uma forma também de costurar e dar mais autenticidade à história.

Segundo Pedriali, no livro há muito de história pessoal, história do Sendero Luminoso e também uma apresentação do Peru para quem nunca teve a oportunidade de conhecer o país. Para isso ele inclui mapas na publicação que ajudam o leitor a se localizar.

O livro será lançado hoje em Maringá, no Restaurante e Bar Mural (Avb. Mauá 2.917); em Londrina o lançamento é amanhã às 20h, no Bar Brasil (R. Pref. Hugo Cabral, 757) e terá preço especial R$ 48. Em São Paulo, dia 14 e em Curitiba, dia 21, todos os lançamentos serão em bares das cidades. Pedriali avisa: ''A conta do bar é individual''.


Célia Polesel
Reportagem local


Fragmento- Lindo instrumento - disse Humberto, tentando iniciar uma conversa com o inesperado vizinho.

- Sim, mas linda mesmo é a música que ouço agora.

O único som que Humberto captava era da água que jorrava da corneta do menino do chafariz. Seria aquele o som a que o velho cego se referia como a linda música que ouvia? Humberto arriscou:

- De fato, o som do chafariz produz uma música linda.

- Não é a ele a que me refiro. Refiro-me ao som da sua alma.


Inspiração nos fatos e disciplina para escrever

José Antonio Pedriali é jornalista e escolheu a profissão por gostar de escrever. Na infância sempre pensou em contar histórias e sonhava em ser escritor. Ao completar 50 anos, se perguntou ''Onde estão meus livros?'', foi então que resolveu se dedicar à literatura, mas sem deixar o jornalismo. ''Gostaria de viver de literatura, mas ainda não é possível.''

Pedriali arregaçou as mangas e correu atrás dos sonhos de menino. Em três anos, escreveu seis livros. Antes de Fuga dos Andes publicou duas biografias de políticos londrinenses, Dalton Paranaguá e Wilson Moreira. E já tem prontos Poeta da Rebeldia e O senhor Fritz e seu cão diabo; O anel do capitão Shepherd está nos capítulos finais. E para o ano que vem o autor pretende escrever uma história sobre a catedral de Londrina e um romance sobre o atentado de Pinochet. O primeiro livro que publicou foi Guerreiros da Virgem - a vida secreta na TFP.

Poeta da Rebeldia tem como inspiração o avô de Pedriali e o livro mistura a história dele com a de Londrina. ''Ele chegou em 1938, participou do início da cidade. era um sujeito bem explosivo, costumava-se dizer que ele não tinha pavio.'' O senhor Fritz e seu cão diabo se passa na Londrina da década de 1960 mostrando a pujança da cidade, a modernidade brasileira, a prosperidade da era JK. O personagem que dá nome ao livro é inspirado em um vendedor de paçoquinha que tinha um cachorro preto muito malvado que era temido pelos meninos, que o chamavam de diabo. ''Quando era menino disse a ele que um dia iria escrever um livro e colocá-lo como personagem'', relembra.

Segundo Pedriali, o protagonista de O anel do capitão Shepherd mereceu notas de rodapé em muitos livros de história da América do Sul. O livro conta a história de dois marinheiros ingleses que vêm ao Brasil logo após a independência para comandar a frota de barcos (poucos e podres) que cuidaria da expulsão da esquadra portuguesa que estava na Bahia se preparando para atacar o Rio de Janeiro (capital do País).

Ele conta que escreve todos os dias porque se o escritor se desconecta fica difícil retomar. ''Estabeleci uma rotina e isso ajuda a manter a produção.'' Quanto à inspiração Pedriali explica que todas as suas obras partem de fatos reais. ''A inspiração está sempre no real, não dá para fazer literatura sem partir de fatos reais.'' (C.P.)



link: http://www.bonde.com.br/folhadelondrina/index.php?id_folha=2-1-6-1871-20091106

Amor e violência nos Andes



José Antonio Pedriali lança amanhã em Londrina o romance Fuga nos Andes, uma aventura nos tempos do terrível Sendero Luminoso
06/11/2009


O jornalista e escritor londrinense José Antonio Pedriali lança amanhã em Londrina o romance Fuga dos Andes (Record, 404 páginas), seu primeiro livro de ficção. Repórter e editor experiente, com passagens pela imprensa local e nacional, Pedriali combina a precisão e a clareza do relato jornalístico com a influência de autores da literatura latino-americana, notadamente Gabriel García-Márquez, Manoel Scorza e Mario Vargas Llosa.

O livro conta a história de Humberto Morabito, um jornalista paranaense que está no Peru em 1983, quando o grupo terrorista Sendero Luminoso espalhava terror pelo país latino-americano. Morabito vive uma história de amor e aventura sob o signo da violência. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista por e-mail com o autor.

Serviço – Fuga dos Andes – Lançamento em Londrina. Amanhã (sábado), às 20h, no Bar Brasil (Rua Hugo Cabral, 757). Informações: 3323-4418.

JL: Como surgiu a ideia para escrever Fuga dos Andes?

José Antonio Pedriali: Quando visitei Ayacucho, Peru, pela primeira vez, em 1983, viagem que resultou numa série de reportagens, publicadas no ano seguinte por um jornal de São Paulo de circulação nacional. Encontrei um cenário que só havia visto em filmes: uma cidade de arquitetura colonial, habitada por uma população predominantemente indígena, cercada por montanhas – montanhas históricas, pois elas assistiram à última batalha pela independência da América, em 1824 – e dominada pelo medo. Foi lá que o Sendero Luminoso surgiu, três anos antes, tendo como núcleo central a Universidade de Huamanga. Lá convivi com o medo coletivo, desviei-me, para não ser atropelado, de viaturas militares e blindados de presença ostensiva, apanhei de um soldado, obtive uma fonte preciosa na cúpula do exército e testemunhei uma morte no hotel em que me hospedava. Escrevi o livro 23 anos depois, em 100 dias.

Como você definiria Fuga dos Andes?

O livro é o contraponto da beleza – o amor entre Humberto e Beatriz – e o ódio – a violência desatada pelo Sendero. E um tratado sobre as consequências do fanatismo, qualquer que seja a roupagem que assuma.

O protagonista Humberto Morabito é um jornalista paranaense que trabalha em um grande veículo de São Paulo. O quanto de José Antonio Pedriali há em Morabito?

Humberto Morabito é José Antonio Pedriali até meados do décimo capítulo. Ali, quando começa a ação que inspirou o nome ao livro, os acontecimentos são fruto da imaginação do autor. E Beatriz, de todos os personagens, a que vive a situação mais dramática, cruzou o caminho de José Antonio Pedriali, atrasando seu encontro com os jornalistas que viriam a ser massacrados em Uchuraccay. Sim, eu tinha viagem marcada para encontrá-los. Devo, portanto, a vida a ela. Mas quem é ela? Tenho o direito – e o dever – de preservar sua identidade.

Para você, existe algo como uma literatura ou jornalismo norte-paranaense?

O Norte do Paraná foi uma escola de jornalismo dos anos 50 aos 80. Aqui brotaram grandes nomes, famosos ou não, mas profissionais de excelente qualidade, que cedem ou cederam seu talento à imprensa regional e nacional. Pena que esta época áurea tenha acabado. E quanto à literatura, temos um escritor que se destaca no cenário nacional, Domingos Pellegrini, o Dinho. Um grande talento, de imaginação fecunda e invejável versatilidade linguística. Dinho é um mestre das letras.

No Brasil existe o MST, um movimento de assumida inspiração maoísta. Descontadas as diferenças culturais entre Brasil e Peru, há termos de comparação entre o MST e o Sendero? Há pontos de equivalência ou proximidade entre os dois movimentos?

O MST é uma organização clandestina, já que não existe juridicamente, financiada pelo governo federal e cuja finalidade é dar sustento aos seus líderes e cesta básica a seus membros em troca de uma campanha incessante contra os produtores rurais. Invade e depreda propriedades e, em muitos casos, recorre à violência – e também é vítima dela, já que a toda ação corresponde uma reação, e é compreensível que os proprietários rurais reajam à agressão de que são vítimas. A reforma agrária, bandeira do MST, é um projeto falido, pois, por mais que seus líderes e o Incra batam o pé, os milhões de hectares distribuídos aos sem-terra não produzem nada, ou quase nada. O Sendero Luminoso despontou como guerrilha rural, associando essa frente de combate ao terrorismo urbano. Seu objetivo era a conquista do poder e, para isso, o emprego da violência, e quanto mais violência, melhor, era considerado o instrumento mais eficiente. Conclui-se, portanto, que o objetivo e os métodos dos dois movimentos são divergentes.

Como você vê o chamado bolivarianismo?

Seriam Chávez e seus epígonos capazes de inspirar um romance (picaresco, ao menos)? Oliver Stone acaba de lançar um filme baseado na vida de Chávez. Se é assim, por que não um livro? O trabalho poderia se inspirar em dois clássicos de Garcia Marquez, “Ninguém escreve ao coronel” e “O outono do patriarca”. Logo, logo, Chávez enfrentará o seu outono... a Venezuela está se exaurindo, lenta e inexoravelmente. Até quando os venezuelanos irão suportar Chávez? Até que os cofres públicos não consigam mais financiar as bolsas-famílias de lá... O bolivarianismo é o rótulo de um programa autoritário, centralizador e que visa perenizar no poder seu mentor e protagonista, Chávez. Mas, como todos os ditadores – pois Chávez é isso: um ditador que se apropriou dos os instrumentos da democracia para a consumação de seu projeto –, o fim é o destino certo e inevitável. A que distância está o fim? O Tesouro venezuelano é que irá determiná-la.

Fale-me sobre as suas principais influências literárias, além das que você já apontou (García-Márquez, Scorza e Vargas Llosa).

Li muitos autores europeus e norte-americanos, mas os latino-americanos são os que mais me impressionam. Devoto a eles profunda veneração e gratidão. Garcia Márquez é o mais destacado de todos – pudera, é autor de Cem Anos de Solidão! -, mas há grandes autores pouco divulgados: o chileno José Donoso e o paraguaio Augusto Roa Bastos, por exemplo. A literatura latino-americana pontificou nas décadas de 60 a 80 e, como tudo o que é humano, acabou perdendo espaço para escritores de outras nacionalidades. A moda recentemente, tem sido ou foi – pois está no limiar da decadência - a literatura afegã. A literatura latino-americana perdeu espaço, mas seus realizadores continuam produzindo – e continuam grandes.

Em certos momentos, você opta por uma linguagem próxima à do cinema. Este livro dá um filme?

Filme? Oba! Onde? Quando? Conte comigo. Gostaria de assistir a Fuga dos Andes. Será um filme sensacional.