terça-feira, 15 de junho de 2010

Fuga dos Andes


Livro do jornalista José Antonio Pedriali mistura ficção e fatos em romance ambientado no Peru

‘Os jor­na­lis­tas es­tão acos­tu­ma­dos a tra­ba­lhar com pou­co es­pa­ço pa­ra es­cre­ver, en­tão, quan­do há ­mais es­pa­ço con­se­gui­mos apro­vei­tá-lo ­melhor’

Folha de Londrina

6.11.2009


Mistério, intrigas, espionagem, violência e amor são bons ingredientes para um romance, mas é preciso que o escritor saiba misturá-los na medida para prender o leitor. ''Fuga dos Andes'' do jornalista José Antonio Pedriali traz todos os ingredientes numa mistura saborosa e atraente, que prende o leitor. Os fatos reais dão um tempero a mais à trama.

O livro tem início em 1983 quando o jornalista brasileiro Humberto Morabito, em férias no Peru, fica sabendo do assassinato de guerrilheiros do Sendero Luminoso por camponeses. Morabito então vai ao encontro de um grupo de jornalista peruanos que estão indo ao local das mortes para investigar, mas no caminho conhece e se envolve com a misteriosa Beatriz. O encontro o faz desencontrar-se do grupo, que é brutalmente assassinado ao chegar a Uchuracay - um pequeno povoado nos Andes.

O massacre abala o mundo. Morabito mergulha no país em busca de informações sobre a guerrilha, o exército, os moradores das comunidades andinas e também da mulher que salvou sua vida e por quem ele se apaixonou perdidamente. Fatos reais se mesclam à ficção criada pelo autor que confessa haver situações no livro vividas por ele no Peru. Em pelo menos duas o leitor consegue perceber que o autor vivenciou os fatos. O texto de Pedriali traz uma narrativa tão informativa quanto envolvente, reunindo de maneira criativa jornalismo e literatura.

Pedriali levou exatos 100 dias para escrever Fuga dos Andes, mas a gestação do livro levou 20 anos. ''Eu estava em férias no Peru na época dos assassinatos e pensei que aqueles fatos renderiam uma boa história. Levei 20 anos até conseguir transformá-los em livro, mas valeu a pena porque nesse tempo houve o trabalho da Comissão da Verdade e Reconciliação que investigou e com acesso às informações pude dar um final para os massacres.''

Ele conta que além de ter informações sobre os fatos por ter ido várias vezes ao Peru, também fez muita pesquisa. ''No livro cito o nome de hotéis, pratos típicos e para isso a internet ajudou muito. O relatório da comissão também.'' Dois personagens do livro foram baseados em depoimentos apresentados no relatório. Davi, um menino pastor transformado em comandante da guerrilha, e Telésforo Galvez Gávilan, que relata os assassinatos em Uchuracay sob o ponto de vista dos camponeses. Durante a fuga pelos Andes o leitor tem uma mostra das intempéries das montanhas e da floresta na região amazônica.

O autor diz que o fato de ser jornalista facilita na hora de escrever porque consegue selecionar melhor os fatos. ''Os jornalistas estão acostumados a trabalhar com pouco espaço para escrever, então quando há mais espaço conseguimos aproveitá-lo melhor. Acredito que conseguimos trazer o leitor para o texto e prepará-lo para momentos de mais aridez da história.'' Mas ressalta que o livro e os personagens se impõem ao escritor. Pedriali explica que no roteiro inicial havia os fatos e o romance entre Humberto e Beatriz para amarrar bem o relato, mas que no momento em que foi escrever as reportagens que produziu na época acabaram entrando no livro com uma forma também de costurar e dar mais autenticidade à história.

Segundo Pedriali, no livro há muito de história pessoal, história do Sendero Luminoso e também uma apresentação do Peru para quem nunca teve a oportunidade de conhecer o país. Para isso ele inclui mapas na publicação que ajudam o leitor a se localizar.

O livro será lançado hoje em Maringá, no Restaurante e Bar Mural (Avb. Mauá 2.917); em Londrina o lançamento é amanhã às 20h, no Bar Brasil (R. Pref. Hugo Cabral, 757) e terá preço especial R$ 48. Em São Paulo, dia 14 e em Curitiba, dia 21, todos os lançamentos serão em bares das cidades. Pedriali avisa: ''A conta do bar é individual''.


Célia Polesel
Reportagem local


Fragmento- Lindo instrumento - disse Humberto, tentando iniciar uma conversa com o inesperado vizinho.

- Sim, mas linda mesmo é a música que ouço agora.

O único som que Humberto captava era da água que jorrava da corneta do menino do chafariz. Seria aquele o som a que o velho cego se referia como a linda música que ouvia? Humberto arriscou:

- De fato, o som do chafariz produz uma música linda.

- Não é a ele a que me refiro. Refiro-me ao som da sua alma.


Inspiração nos fatos e disciplina para escrever

José Antonio Pedriali é jornalista e escolheu a profissão por gostar de escrever. Na infância sempre pensou em contar histórias e sonhava em ser escritor. Ao completar 50 anos, se perguntou ''Onde estão meus livros?'', foi então que resolveu se dedicar à literatura, mas sem deixar o jornalismo. ''Gostaria de viver de literatura, mas ainda não é possível.''

Pedriali arregaçou as mangas e correu atrás dos sonhos de menino. Em três anos, escreveu seis livros. Antes de Fuga dos Andes publicou duas biografias de políticos londrinenses, Dalton Paranaguá e Wilson Moreira. E já tem prontos Poeta da Rebeldia e O senhor Fritz e seu cão diabo; O anel do capitão Shepherd está nos capítulos finais. E para o ano que vem o autor pretende escrever uma história sobre a catedral de Londrina e um romance sobre o atentado de Pinochet. O primeiro livro que publicou foi Guerreiros da Virgem - a vida secreta na TFP.

Poeta da Rebeldia tem como inspiração o avô de Pedriali e o livro mistura a história dele com a de Londrina. ''Ele chegou em 1938, participou do início da cidade. era um sujeito bem explosivo, costumava-se dizer que ele não tinha pavio.'' O senhor Fritz e seu cão diabo se passa na Londrina da década de 1960 mostrando a pujança da cidade, a modernidade brasileira, a prosperidade da era JK. O personagem que dá nome ao livro é inspirado em um vendedor de paçoquinha que tinha um cachorro preto muito malvado que era temido pelos meninos, que o chamavam de diabo. ''Quando era menino disse a ele que um dia iria escrever um livro e colocá-lo como personagem'', relembra.

Segundo Pedriali, o protagonista de O anel do capitão Shepherd mereceu notas de rodapé em muitos livros de história da América do Sul. O livro conta a história de dois marinheiros ingleses que vêm ao Brasil logo após a independência para comandar a frota de barcos (poucos e podres) que cuidaria da expulsão da esquadra portuguesa que estava na Bahia se preparando para atacar o Rio de Janeiro (capital do País).

Ele conta que escreve todos os dias porque se o escritor se desconecta fica difícil retomar. ''Estabeleci uma rotina e isso ajuda a manter a produção.'' Quanto à inspiração Pedriali explica que todas as suas obras partem de fatos reais. ''A inspiração está sempre no real, não dá para fazer literatura sem partir de fatos reais.'' (C.P.)



link: http://www.bonde.com.br/folhadelondrina/index.php?id_folha=2-1-6-1871-20091106

Amor e violência nos Andes



José Antonio Pedriali lança amanhã em Londrina o romance Fuga nos Andes, uma aventura nos tempos do terrível Sendero Luminoso
06/11/2009


O jornalista e escritor londrinense José Antonio Pedriali lança amanhã em Londrina o romance Fuga dos Andes (Record, 404 páginas), seu primeiro livro de ficção. Repórter e editor experiente, com passagens pela imprensa local e nacional, Pedriali combina a precisão e a clareza do relato jornalístico com a influência de autores da literatura latino-americana, notadamente Gabriel García-Márquez, Manoel Scorza e Mario Vargas Llosa.

O livro conta a história de Humberto Morabito, um jornalista paranaense que está no Peru em 1983, quando o grupo terrorista Sendero Luminoso espalhava terror pelo país latino-americano. Morabito vive uma história de amor e aventura sob o signo da violência. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista por e-mail com o autor.

Serviço – Fuga dos Andes – Lançamento em Londrina. Amanhã (sábado), às 20h, no Bar Brasil (Rua Hugo Cabral, 757). Informações: 3323-4418.

JL: Como surgiu a ideia para escrever Fuga dos Andes?

José Antonio Pedriali: Quando visitei Ayacucho, Peru, pela primeira vez, em 1983, viagem que resultou numa série de reportagens, publicadas no ano seguinte por um jornal de São Paulo de circulação nacional. Encontrei um cenário que só havia visto em filmes: uma cidade de arquitetura colonial, habitada por uma população predominantemente indígena, cercada por montanhas – montanhas históricas, pois elas assistiram à última batalha pela independência da América, em 1824 – e dominada pelo medo. Foi lá que o Sendero Luminoso surgiu, três anos antes, tendo como núcleo central a Universidade de Huamanga. Lá convivi com o medo coletivo, desviei-me, para não ser atropelado, de viaturas militares e blindados de presença ostensiva, apanhei de um soldado, obtive uma fonte preciosa na cúpula do exército e testemunhei uma morte no hotel em que me hospedava. Escrevi o livro 23 anos depois, em 100 dias.

Como você definiria Fuga dos Andes?

O livro é o contraponto da beleza – o amor entre Humberto e Beatriz – e o ódio – a violência desatada pelo Sendero. E um tratado sobre as consequências do fanatismo, qualquer que seja a roupagem que assuma.

O protagonista Humberto Morabito é um jornalista paranaense que trabalha em um grande veículo de São Paulo. O quanto de José Antonio Pedriali há em Morabito?

Humberto Morabito é José Antonio Pedriali até meados do décimo capítulo. Ali, quando começa a ação que inspirou o nome ao livro, os acontecimentos são fruto da imaginação do autor. E Beatriz, de todos os personagens, a que vive a situação mais dramática, cruzou o caminho de José Antonio Pedriali, atrasando seu encontro com os jornalistas que viriam a ser massacrados em Uchuraccay. Sim, eu tinha viagem marcada para encontrá-los. Devo, portanto, a vida a ela. Mas quem é ela? Tenho o direito – e o dever – de preservar sua identidade.

Para você, existe algo como uma literatura ou jornalismo norte-paranaense?

O Norte do Paraná foi uma escola de jornalismo dos anos 50 aos 80. Aqui brotaram grandes nomes, famosos ou não, mas profissionais de excelente qualidade, que cedem ou cederam seu talento à imprensa regional e nacional. Pena que esta época áurea tenha acabado. E quanto à literatura, temos um escritor que se destaca no cenário nacional, Domingos Pellegrini, o Dinho. Um grande talento, de imaginação fecunda e invejável versatilidade linguística. Dinho é um mestre das letras.

No Brasil existe o MST, um movimento de assumida inspiração maoísta. Descontadas as diferenças culturais entre Brasil e Peru, há termos de comparação entre o MST e o Sendero? Há pontos de equivalência ou proximidade entre os dois movimentos?

O MST é uma organização clandestina, já que não existe juridicamente, financiada pelo governo federal e cuja finalidade é dar sustento aos seus líderes e cesta básica a seus membros em troca de uma campanha incessante contra os produtores rurais. Invade e depreda propriedades e, em muitos casos, recorre à violência – e também é vítima dela, já que a toda ação corresponde uma reação, e é compreensível que os proprietários rurais reajam à agressão de que são vítimas. A reforma agrária, bandeira do MST, é um projeto falido, pois, por mais que seus líderes e o Incra batam o pé, os milhões de hectares distribuídos aos sem-terra não produzem nada, ou quase nada. O Sendero Luminoso despontou como guerrilha rural, associando essa frente de combate ao terrorismo urbano. Seu objetivo era a conquista do poder e, para isso, o emprego da violência, e quanto mais violência, melhor, era considerado o instrumento mais eficiente. Conclui-se, portanto, que o objetivo e os métodos dos dois movimentos são divergentes.

Como você vê o chamado bolivarianismo?

Seriam Chávez e seus epígonos capazes de inspirar um romance (picaresco, ao menos)? Oliver Stone acaba de lançar um filme baseado na vida de Chávez. Se é assim, por que não um livro? O trabalho poderia se inspirar em dois clássicos de Garcia Marquez, “Ninguém escreve ao coronel” e “O outono do patriarca”. Logo, logo, Chávez enfrentará o seu outono... a Venezuela está se exaurindo, lenta e inexoravelmente. Até quando os venezuelanos irão suportar Chávez? Até que os cofres públicos não consigam mais financiar as bolsas-famílias de lá... O bolivarianismo é o rótulo de um programa autoritário, centralizador e que visa perenizar no poder seu mentor e protagonista, Chávez. Mas, como todos os ditadores – pois Chávez é isso: um ditador que se apropriou dos os instrumentos da democracia para a consumação de seu projeto –, o fim é o destino certo e inevitável. A que distância está o fim? O Tesouro venezuelano é que irá determiná-la.

Fale-me sobre as suas principais influências literárias, além das que você já apontou (García-Márquez, Scorza e Vargas Llosa).

Li muitos autores europeus e norte-americanos, mas os latino-americanos são os que mais me impressionam. Devoto a eles profunda veneração e gratidão. Garcia Márquez é o mais destacado de todos – pudera, é autor de Cem Anos de Solidão! -, mas há grandes autores pouco divulgados: o chileno José Donoso e o paraguaio Augusto Roa Bastos, por exemplo. A literatura latino-americana pontificou nas décadas de 60 a 80 e, como tudo o que é humano, acabou perdendo espaço para escritores de outras nacionalidades. A moda recentemente, tem sido ou foi – pois está no limiar da decadência - a literatura afegã. A literatura latino-americana perdeu espaço, mas seus realizadores continuam produzindo – e continuam grandes.

Em certos momentos, você opta por uma linguagem próxima à do cinema. Este livro dá um filme?

Filme? Oba! Onde? Quando? Conte comigo. Gostaria de assistir a Fuga dos Andes. Será um filme sensacional.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Discursos líricos e jornalísticos em 'Fuga dos Andes'


Por Simone Magno, do programa Tempo de Letras, da rádio CBN.

Ouvir em:
http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/tempo-de-letras/2010/02/02/DISCURSOS-LIRICOS-E-JORNALISTICOS-EM-FUGA-DOS-ANDES-DE-JOSE-ANTONIO-PEDRIALI.htm

O Peru conturbado pela guerrilha


Renato Pompeu - 28/1/2010

Esse romance recém-lançado pela Record, Fuga dos Andes, do jornalista José Antonio Pedriali, famoso por ter sido cooperador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, a bem conhecida TFP, se ter desentendido com a entidade e ter publicado o livro Guerreiros da Virgem - A Vida Secreta na TFP, é uma muito bem feita ficção sobre o conturbado Peru dos anos de 1980, não só fustigado pela assassina guerrilha do Sendero Luminoso como também conturbado pela repressão muitas vezes ilegal e igualmente assassina contra o movimento guerrilheiro.

Pedriali, que se tornou jornalista após sua experiência de religiosidade tradicional intensa, retoma aspectos de sua própria vida de correspondente em outros países latino-americanos para entremear fatos e personagens reais e fantásticos num romance de aventuras e de amor cheio de peripécias, tão a gosto da maioria dos leitores.

Como Pedriali, o personagem central é um jornalista brasileiro enviado ao Peru pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ele deve encontrar-se, no alto dos Andes, com uma comitiva de jornalistas peruanos que vai investigar uma chacina em que grande número de guerrilheiros foram assassinados, num remoto recanto das montanhas. Segundo as autoridades do governo civil de então, os guerrilheiros haviam sido mortos por camponeses revoltados com a truculência dos integrantes do Sendero. Segundo muitos desconfiavam, a chacina havia sido perpetrada por agentes governamentais disfarçados de camponeses.

O jornalista brasileiro, no entanto, se atrasa para o encontro com os colegas por se ter encontrado com uma jovem, com a qual estabelece uma relação meio mística. Afinal, ela se chama Beatriz, mesmo nome da jovem que foi amada e eternizada pelo poeta italiano medieval Dante Alighieri, em sua A Divina Comédia, e com a qual guarda semelhanças. O atraso foi providencial, pois, quando se prepara para a última etapa da viagem, o jornalista brasileiro fica sabendo, pelos noticiários, que todos os seus colegas peruanos foram igualmente chacinados.

As duas chacinas, a de integrantes da guerrilha e a de jornalistas peruanos são fatos realmente ocorridos; grande parte dos outros trechos dos livros, tanto na trama central entre o jornalista brasileiro e a jovem, como nas numerosas subtramas que envolvem os guerrilheiros, as forças repressivas, os respectivos modos de organizar-se e de infiltrar-se nas fileiras do inimigo, e os camponeses, perplexos, aparvalhados e assustados com os dois grupos opostos que alardeiam querer "ajudá-los", mas os reprimem de todo modo, também relatam situações realmente ocorridas, apuradas com rigor jornalístico.

Pedriali consegue ser ao mesmo tempo lírico nas evocações dos relacionamentos pessoais e extremamente informativo nas descrições factuais das peripécias da guerrilha, da repressão, da vivência dos camponeses, e dos diferentes modos de vida dos peruanos nas três regiões do país: o litoral estéril e branco que vive de controlar as riquezas minerais e agrícolas produzidas pelos cholos – índios mais ou menos mestiçados – no alto dos Andes, mais a Amazônia peruana, onde vivem índios bem menos mestiçados, mais na agricultura de subsistência.

A guerrilha se instalou nos Andes, em busca da adesão dos camponeses, mas recrutava também jovens estudantes nas cidades do Litoral. O nome Sendero significa em castelhano caminho e a designação oficial do grupo era Pelo Caminho Luminoso de José Carlos Mariateguí, o pensador peruano que, nos anos de 1920 e 1930, fundiu o marxismo com o indigenismo. Fundado pelo antropólogo Abimael Guzmán, o grupo chegou nos anos 1980 a dominar vastas áreas dos Andes e a realizar sucessivos atentados, principalmente apagões, em Lima. Nos anos seguintes, entretanto, foi totalmente dizimado pela repressão, mesmo porque nunca conseguiu se consolidar como força política, por falta de apoio da população, tanto rural como urbana. Pedriali navega com isenção pelos extremismos da vida peruana.


Fonte: Diário do Comércio
(São Paulo)

Livro narra aventura de repórter com guerrilha no Peru


Último segundo
Fonte:
Agência Estado | 20/01/2010 11:05


Sem ter digerido bem ainda os anos de chumbo da ditadura militar que governou o País entre 1964 e 1985, as autoridades brasileiras se engalfinham hoje numa polêmica que beirou a crise institucional, sobre a nova edição do Plano Nacional de Direitos Humanos e da Lei da Anistia. A discussão é tão forte que exigiu um cala boca bradado pelo presidente Lula a parte de seu ministério na semana passada.

É nesse cenário de remissão aos anos da ditadura militar e guerrilha brasileiras que chega às livrarias "Fuga dos Andes", romance-reportagem do jornalista e escritor paranaense José Antonio Pedriali, lançado pela Editora Record (400 páginas, R$ 57,90).

O livro é resultado das incursões de Pedriali ao Peru, nas décadas de 80 e 90, quando era repórter do jornal O Estado de S. Paulo. O autor mergulha nas entranhas do grupo terrorista Sendero Luminoso sob a roupagem de uma aventura e uma dramática história de amor. A trama tem o território peruano como cenário, o grupo terrorista Sendero Luminoso como pano de fundo e como protagonistas o repórter brasileiro Humberto Morabito e a peruana Beatriz. São coadjuvantes agentes da polícia secreta que buscam um importante líder guerrilheiro, um camponês que simboliza a violência que se abateu sobre as comunidades andinas e um grupo de guerrilheiros que procura um traidor para aplicar-lhe a única pena concebida pelo líder da organização, Abimael Guzmán: a morte.

Começa com a manchete do jornal "La Republica": "Todos mortos", que estarrece o jornalista brasileiro a trabalho no Peru. Refere-se ao massacre de oito jornalistas que investigavam o assassinato de um destacamento de guerrilheiros do Sendero Luminoso, atribuído aos camponeses dos Andes. Humberto Morabito seria a nona vítima não fosse Beatriz, uma peruana de olhos verdes com quem tivera um encontro arrebatador em Arequipa. O encontro o fez perder o avião que o levaria à viagem com os colegas - e à morte. O massacre dos jornalistas, ocorrido em janeiro de 1983, convulsiona o Peru e desperta a atenção do mundo para o conflito nos Andes.

"O livro foi fecundado durante minha primeira visita ao Peru, em 1983, quando, por ter encontrado uma bela mulher, fui poupado de ter o mesmo fim que meus colegas peruanos, massacrados em Uchuraccay, episódio que analiso com profundidade no livro", conta Pedriali. "Eu o escrevi em 100 dias, iniciando-o no final de 2006. O parto foi rápido, mas a gestação durou 23 anos...", comenta.

Pedriali esteve inúmeras vezes no Peru e percorreu o país de alto a baixo, embrenhando-se nos Andes e palmilhando o litoral. Mas não esteve na selva, a região onde se desenvolvem os momentos finais da trama. "Humberto Morabito é meu alter ego, mas mesclo minhas viagens ao Peru e o trabalho que resultou delas como repórter a um punhado de ficção, sobretudo na parte final do livro", explica o autor que pessoalmente não teve contato com a guerrilha. "Infelizmente, não. Minha tentativa de contato com a guerrilha é exatamente a vivenciada por Humberto Morabito no romance." Mas ele viveu muitas das situações perigosas pelas quais passa o protagonista. Sobre quem seria Beatriz, a mulher pela qual Morabito se apaixona no livro, Pedriali é curto. "Sobre isso tenho que silenciar..."

Romance latino-americano e redentor


Domingos Pellegrini, especial para a Gazeta do Povo

Londrina - Não é novidade o surgimento de um novo romancista, mas certamente é se ele tem 53 anos e o romance, além de maduro, mostra mão de mestre. O londrinense José Antonio Pedriali publicou em 1985 seu primeiro e até há pouco único livro, o memorialista Guerreiros da Virgem, sobre sua passagem pela organização Tradição, Família e Propriedade, a TFP. Agora, como para se vingar do atraso, o romance Fuga dos Andes é tocado com fineza narrativa e madureza política, a indicar uma evolução não só do escritor como do próprio romance latino-mericano, que se tornou gênero distinto com Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez e Manuel Scorza, entre outros.

Como esses mestres, Pedriali arrisca-se na política, enfiando-se nas entranhas da organização peruana guerrilheira Sendero Luminoso e, ao mesmo tempo, na rede de informantes policiais montada para desarticular a organização. O conhecimento do au­­tor, num e noutro mundo desses mundos paralelos, é muito convincente e envolvente, evidenciando a expertise de quem foi repórter do jornal O Estado de S. Paulo, no Peru, no auge do senderismo.

Permeando o confronto entre o delírio ideológico dos senderistas e a esperteza fria dos policiais, vai também sendo traçado, com lirismo delicado e envolvente, o caso de amor entre o repórter protagonista e uma líder guerrilheira arrependida dos desmandos senderistas.

É uma receita propícia para deslises narrativos, que Pedriali supera com admirável competência, manejando a linguagem com criatividade, sempre roçando na poesia sem perder o fôlego narrativo. Essa receita é enriquecida pela in­­serção de notícias, corroborando fa­­tos verídicos (o romance parte, por exemplo, do assassinato equivocado de oito jornalistas por camponeses, que julgavam estar ma­­tando senderistas que infernizavam as aldeias em nome da utopia comunista).

O painel de focos e visões divergentes se acentua e ganha pungente humanidade com o depoimento de um camponês ao repórter, inserido ao longo da narrativa, evidenciando a ingenuidade e o sofrimento daqueles que, conforme Camus, “sofrem a História”. Essa terralidade crua ganha, entretanto, magia, por meio de pitadas de realismo fantástico bem dosadas e inseridas de modo a elevar todo o romance a uma redentora espiritualidade.

Também pungente se torna o ro­­mance entre o repórter e a ex-guerrilheira, com momentos de aguda e trágica poesia. Ao final, a sensação é de remissão, diante da evidência de que a arte redime até a má política, justiçando-a com humanidade e beleza. E o chamado romance latino-mericano, que parecia esgotado, renova-se vigorosamente, com uma fineza e uma maturidade também redentoras.

Ressalvado o pecadilho do autor, em algumas passagens, intrometer-se na narrativa com informações que podiam ser fornecidas ao leitor pelo protagonista repórter, a convicção que fica é que nossa literatura ganhou uma obra-prima.

Serviço

Fuga dos Andes, de José Antonio Pedriali. Record, 397 págs., R$ 57,90.

link
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=954179&tit=Romance-latino-americano-e-redentor

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fuga dos Andes na visão de um peruano


Por Alejandro Neyra
Escritor e diplomata
Peru

(...)Fuga dos Andes es una novela de acción, dicho esto como un elogio antes que como un intento de clasificación. Se trata de un libro en que la peripecia es también pretexto para acercar al autor a un mundo mágico y extraño: el Perú en 1983, en medio de la crisis económica y del terrorismo, en la época situada alrededor de los crímenes de Uchuraccay, a cuyas víctimas está además dedicado el libro. La historia trata acerca de un periodista brasileño que viene de vacaciones al Perú y se queda como reportero de nuestra guerra interna, por orden de su diario y de su propio corazón, pues el hombre conoce a una peruana misteriosa (...)con quien se verá envuelto en diversos enredos y en una persecución por el sur peruano, en medio de dos fuegos, el de la Policía y el de Sendero Luminoso.

José Pedriali, además de escritor, es periodista, y según él mismo confiesa, vino al Perú muchas veces en los años ochenta como corresponsal de O Estado de Sao Paulo. Esto queda claro en la narración, llena de referencias a lugares, circunstancias y hasta melodías –como “José Antonio” de Chabuca Granda o la guitarra de Raúl García Zárate– y comidas típicas peruanas -el narrador está obsesionado por el cebiche, pero cede a cualquier aventura culinaria (publicidad gratuita que Pedriali hace a la cocina de nuestro país). El ritmo casi cinematográfico de la novela se interrumpe a veces abruptamente por notas a pie y explicaciones que para un peruano resultan sobre-explicativas, pero que dejan ver el origen periodístico del autor y seguramente sirven de guía a lectores menos familiarizados con nuestro país, y que incluyen, también, algunas interesantes anotaciones sobre procesos que marcaron nuestro país y que sirven para tratar de explicar el origen del terrorismo; como, por ejemplo, la reforma agraria de Velasco y la vuelta a la democracia. Al mismo tiempo, existe una parte del relato que tiene que ver con la visión y cosmovisión andina, en la cual se reconocen también lecturas de Scorza y Arguedas que el propio Pedriali asume, y que constituyen probablemente los aspectos mejor logrados del relato.

La novela, que cuenta con mapas y gráficos que permiten seguir la “fuga” de los protagonistas (que pueden encontrarse en el blog de la novela: http://fugadosandes.blogspot.com/) a través de un territorio agreste en el cual no sabemos reconocer a buenos y malos, obsesionados todos por la muerte del prójimo, muchas veces sin importar razones, nos aproxima a la época más absurda y cruel de nuestra historia. La experiencia de Pedriali en el Perú se complementa con el informe de la Comisión de la Verdad, al cual el autor hace referencia no solo en algunas notas sino también en el último capítulo de la novela (...)

Fuga dos Andes es una novela trepidante y emotiva, en la que se descubre un enorme cariño por ese país tristemente trágico que hoy a veces no recordamos: el Perú de hace poco más de veinticinco años, lleno de contradicciones y muertes insensatas como las de Uchuraccay y todas las demasiadas otras desapariciones que llenan las cuatrocientas páginas de Fuga. Un país en el que como (casi) siempre, y hasta hoy, las mujeres resultan las protagonistas principales. Beatriz, la protagonista de la obra, le dice al periodista brasileño, casi al conocerlo en medio del Convento de Santa Catalina en Arequipa: “Es apenas una advertencia. Usted es extranjero y nosotros, las peruanas, solemos ser fatales para los extranjeros”.

Beatriz es (...) Joven ayacuchana de ojos esmeralda, nariz pequeña y afilada, cuello largo y delicado, rostro ligeramente moreno, formas armoniosas, pelo lacio “a lo chanel”. Luego de leer la novela, uno queda enamorado también de la mujer idealista y hermosa –quizás exageradamente silenciosa tratándose de una peruana- que resulta a la vez inaccesible y confusa, sufrida alma de varias personalidades que conquista al periodista brasileño (y que en cierto modo existió como nos confesó el propio autor). Bien vista, la novela es un homenaje a la mujer peruana, protagonista de Fuga dos Andes y de nuestra propia historia. Como para que no queden dudas de que las peruanas de ficción son también -como las peruanas de carne y hueso- complicadas y previsiblemente encantadoras. Felizmente.


texto completo em http://www.elhablador.com/blog/

domingo, 13 de dezembro de 2009

FUGA DOS ANDES


Sinopse de Fuga dos Andes segundo a Editora Record:

O ano é 1983. Humberto Morabito, experiente repórter brasileiro, está indo ao encontro de uma comitiva de jornalistas peruanos para investigar o assassinato de guerrilheiros do Sendero Luminoso quando conhece, de maneira arrebatadora, a misteriosa Beatriz. O encontro o faz extraviar-se do grupo, que é brutalmente assassinado ao chegar a Uchuraccay – minúsculo e remoto povoado dos Andes, situado a mais de 4 mil metros do nível do mar. O massacre abala o Peru e o mundo e mergulha Humberto no que o Peru tem de mais profundo e secreto e o envolve numa trama de mistério, intrigas, espionagem e violência.

Fuga dos Andes impressiona por amarrar, com extrema desenvoltura, subnarrativas que, agindo como peças de um fascinante quebra-cabeça, apresentam diferentes perspectivas – a atuação do Sendero Luminoso e a sua opção pela violência generalizada, o esforço da polícia secreta para identificar e capturar os líderes guerrilheiros, o sensível relato de um camponês de Uchuraccay, símbolo da tragédia que se abateu sobre os habitantes dos Andes. E a dramática e instigante busca de Humberto por Beatriz.

Ao acompanhar essa aventura, o leitor é rapidamente imerso numa atmosfera densa, descrita num estilo que faz jus aos maiores escritores latino-americanos.

Ao misturar realidade e ficção num ritmo alucinante e tendo como cenário o multifacetado território peruano e atores o Sendero Luminoso, seus perseguidores e vítimas, José Antonio Pedriali constrói uma narrativa tão informativa quanto envolvente, aliando de maneira magistral jornalismo e literatura.

FICHA TÉNICA

Brochura
14cm x 21cm
400 páginas

Lançado em outubro de 2009

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

TRECHO

O BURRICO RELINCHOU TRÊS VEZES, despertando os fugitivos. Relinchou, coiceou o ar e agitou o rabo.

- Ele sempre age assim ao amanhecer. Talvez pense que é um galo, o galo peruano, que dança enquanto canta – comentou Celestino. Enrolava a manta sobre a qual descansara durante uma hora.

Beatriz e Humberto imitaram Celestino, que lhes passou o cantil e um pacote de biscoitos – “refestelem-se, jovens”, disse – e anunciou que logo começariam a descer, mas que não exultassem porque, assim que terminassem a descida – e lá os esperava um rio -, voltariam a subir, e depois que subissem desceriam novamente – e outro rio os aguardava - e subiriam de novo e desceriam mais uma vez até alcançar outro rio. Fariam isso tantas vezes quantas fossem necessárias para chegar à planície, e quando desembarcassem na planície teriam deixado definitivamente os Andes. Estariam enfronhados na profundeza da Amazônia, onde, segundo Celestino, “nem a mais poderosa legião de demônios será capaz de nos encontrar”.

O dia chegou onde estavam os fugitivos muito depois que em outros lugares, porque a copa das árvores relutou em permitir a passagem da luz, e quando lhe cedeu caminho se abriu apenas para uma parte dela. Alcançaram uma trilha empedrada – “há dezenas desses caminhos por aqui”, explicou Celestino, e Beatriz completou dizendo que, além de construir cidades na selva, os incas fugitivos as interligaram por uma complexa rede viária, aplicando os conhecimentos adquiridos na construção do Cápac Ñan, o Grande Caminho. Esse caminho, de vinte e três mil quilômetros – limitando-se ao que havia sido catalogado – e traçado sobre um dos terrenos mais abruptos do mundo, unia e dotava de um sistema de transporte, administrativo e de comunicações as quatro divisões básicas do Tawantisuyo, o império incaico - o Antisuyo, Contisuyo, Chinchaisuyo e o Collasuyo.

- Estamos no Paititi, o último refúgio dos incas, onde eles lutaram, a partir de Vilcabamba, a Velha, durante quarenta anos contra os conquistadores – explicou Beatriz. – Foi a partir daqui que Tupac Amaru, o último soberano inca, fustigava os espanhóis, e aqui ele foi capturado.

CENÁRIO DO ROMANCE