sexta-feira, 30 de abril de 2010

Discursos líricos e jornalísticos em 'Fuga dos Andes'


Por Simone Magno, do programa Tempo de Letras, da rádio CBN.

Ouvir em:
http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/tempo-de-letras/2010/02/02/DISCURSOS-LIRICOS-E-JORNALISTICOS-EM-FUGA-DOS-ANDES-DE-JOSE-ANTONIO-PEDRIALI.htm

O Peru conturbado pela guerrilha


Renato Pompeu - 28/1/2010

Esse romance recém-lançado pela Record, Fuga dos Andes, do jornalista José Antonio Pedriali, famoso por ter sido cooperador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, a bem conhecida TFP, se ter desentendido com a entidade e ter publicado o livro Guerreiros da Virgem - A Vida Secreta na TFP, é uma muito bem feita ficção sobre o conturbado Peru dos anos de 1980, não só fustigado pela assassina guerrilha do Sendero Luminoso como também conturbado pela repressão muitas vezes ilegal e igualmente assassina contra o movimento guerrilheiro.

Pedriali, que se tornou jornalista após sua experiência de religiosidade tradicional intensa, retoma aspectos de sua própria vida de correspondente em outros países latino-americanos para entremear fatos e personagens reais e fantásticos num romance de aventuras e de amor cheio de peripécias, tão a gosto da maioria dos leitores.

Como Pedriali, o personagem central é um jornalista brasileiro enviado ao Peru pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ele deve encontrar-se, no alto dos Andes, com uma comitiva de jornalistas peruanos que vai investigar uma chacina em que grande número de guerrilheiros foram assassinados, num remoto recanto das montanhas. Segundo as autoridades do governo civil de então, os guerrilheiros haviam sido mortos por camponeses revoltados com a truculência dos integrantes do Sendero. Segundo muitos desconfiavam, a chacina havia sido perpetrada por agentes governamentais disfarçados de camponeses.

O jornalista brasileiro, no entanto, se atrasa para o encontro com os colegas por se ter encontrado com uma jovem, com a qual estabelece uma relação meio mística. Afinal, ela se chama Beatriz, mesmo nome da jovem que foi amada e eternizada pelo poeta italiano medieval Dante Alighieri, em sua A Divina Comédia, e com a qual guarda semelhanças. O atraso foi providencial, pois, quando se prepara para a última etapa da viagem, o jornalista brasileiro fica sabendo, pelos noticiários, que todos os seus colegas peruanos foram igualmente chacinados.

As duas chacinas, a de integrantes da guerrilha e a de jornalistas peruanos são fatos realmente ocorridos; grande parte dos outros trechos dos livros, tanto na trama central entre o jornalista brasileiro e a jovem, como nas numerosas subtramas que envolvem os guerrilheiros, as forças repressivas, os respectivos modos de organizar-se e de infiltrar-se nas fileiras do inimigo, e os camponeses, perplexos, aparvalhados e assustados com os dois grupos opostos que alardeiam querer "ajudá-los", mas os reprimem de todo modo, também relatam situações realmente ocorridas, apuradas com rigor jornalístico.

Pedriali consegue ser ao mesmo tempo lírico nas evocações dos relacionamentos pessoais e extremamente informativo nas descrições factuais das peripécias da guerrilha, da repressão, da vivência dos camponeses, e dos diferentes modos de vida dos peruanos nas três regiões do país: o litoral estéril e branco que vive de controlar as riquezas minerais e agrícolas produzidas pelos cholos – índios mais ou menos mestiçados – no alto dos Andes, mais a Amazônia peruana, onde vivem índios bem menos mestiçados, mais na agricultura de subsistência.

A guerrilha se instalou nos Andes, em busca da adesão dos camponeses, mas recrutava também jovens estudantes nas cidades do Litoral. O nome Sendero significa em castelhano caminho e a designação oficial do grupo era Pelo Caminho Luminoso de José Carlos Mariateguí, o pensador peruano que, nos anos de 1920 e 1930, fundiu o marxismo com o indigenismo. Fundado pelo antropólogo Abimael Guzmán, o grupo chegou nos anos 1980 a dominar vastas áreas dos Andes e a realizar sucessivos atentados, principalmente apagões, em Lima. Nos anos seguintes, entretanto, foi totalmente dizimado pela repressão, mesmo porque nunca conseguiu se consolidar como força política, por falta de apoio da população, tanto rural como urbana. Pedriali navega com isenção pelos extremismos da vida peruana.


Fonte: Diário do Comércio
(São Paulo)

Livro narra aventura de repórter com guerrilha no Peru


Último segundo
Fonte:
Agência Estado | 20/01/2010 11:05


Sem ter digerido bem ainda os anos de chumbo da ditadura militar que governou o País entre 1964 e 1985, as autoridades brasileiras se engalfinham hoje numa polêmica que beirou a crise institucional, sobre a nova edição do Plano Nacional de Direitos Humanos e da Lei da Anistia. A discussão é tão forte que exigiu um cala boca bradado pelo presidente Lula a parte de seu ministério na semana passada.

É nesse cenário de remissão aos anos da ditadura militar e guerrilha brasileiras que chega às livrarias "Fuga dos Andes", romance-reportagem do jornalista e escritor paranaense José Antonio Pedriali, lançado pela Editora Record (400 páginas, R$ 57,90).

O livro é resultado das incursões de Pedriali ao Peru, nas décadas de 80 e 90, quando era repórter do jornal O Estado de S. Paulo. O autor mergulha nas entranhas do grupo terrorista Sendero Luminoso sob a roupagem de uma aventura e uma dramática história de amor. A trama tem o território peruano como cenário, o grupo terrorista Sendero Luminoso como pano de fundo e como protagonistas o repórter brasileiro Humberto Morabito e a peruana Beatriz. São coadjuvantes agentes da polícia secreta que buscam um importante líder guerrilheiro, um camponês que simboliza a violência que se abateu sobre as comunidades andinas e um grupo de guerrilheiros que procura um traidor para aplicar-lhe a única pena concebida pelo líder da organização, Abimael Guzmán: a morte.

Começa com a manchete do jornal "La Republica": "Todos mortos", que estarrece o jornalista brasileiro a trabalho no Peru. Refere-se ao massacre de oito jornalistas que investigavam o assassinato de um destacamento de guerrilheiros do Sendero Luminoso, atribuído aos camponeses dos Andes. Humberto Morabito seria a nona vítima não fosse Beatriz, uma peruana de olhos verdes com quem tivera um encontro arrebatador em Arequipa. O encontro o fez perder o avião que o levaria à viagem com os colegas - e à morte. O massacre dos jornalistas, ocorrido em janeiro de 1983, convulsiona o Peru e desperta a atenção do mundo para o conflito nos Andes.

"O livro foi fecundado durante minha primeira visita ao Peru, em 1983, quando, por ter encontrado uma bela mulher, fui poupado de ter o mesmo fim que meus colegas peruanos, massacrados em Uchuraccay, episódio que analiso com profundidade no livro", conta Pedriali. "Eu o escrevi em 100 dias, iniciando-o no final de 2006. O parto foi rápido, mas a gestação durou 23 anos...", comenta.

Pedriali esteve inúmeras vezes no Peru e percorreu o país de alto a baixo, embrenhando-se nos Andes e palmilhando o litoral. Mas não esteve na selva, a região onde se desenvolvem os momentos finais da trama. "Humberto Morabito é meu alter ego, mas mesclo minhas viagens ao Peru e o trabalho que resultou delas como repórter a um punhado de ficção, sobretudo na parte final do livro", explica o autor que pessoalmente não teve contato com a guerrilha. "Infelizmente, não. Minha tentativa de contato com a guerrilha é exatamente a vivenciada por Humberto Morabito no romance." Mas ele viveu muitas das situações perigosas pelas quais passa o protagonista. Sobre quem seria Beatriz, a mulher pela qual Morabito se apaixona no livro, Pedriali é curto. "Sobre isso tenho que silenciar..."

Romance latino-americano e redentor


Domingos Pellegrini, especial para a Gazeta do Povo

Londrina - Não é novidade o surgimento de um novo romancista, mas certamente é se ele tem 53 anos e o romance, além de maduro, mostra mão de mestre. O londrinense José Antonio Pedriali publicou em 1985 seu primeiro e até há pouco único livro, o memorialista Guerreiros da Virgem, sobre sua passagem pela organização Tradição, Família e Propriedade, a TFP. Agora, como para se vingar do atraso, o romance Fuga dos Andes é tocado com fineza narrativa e madureza política, a indicar uma evolução não só do escritor como do próprio romance latino-mericano, que se tornou gênero distinto com Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez e Manuel Scorza, entre outros.

Como esses mestres, Pedriali arrisca-se na política, enfiando-se nas entranhas da organização peruana guerrilheira Sendero Luminoso e, ao mesmo tempo, na rede de informantes policiais montada para desarticular a organização. O conhecimento do au­­tor, num e noutro mundo desses mundos paralelos, é muito convincente e envolvente, evidenciando a expertise de quem foi repórter do jornal O Estado de S. Paulo, no Peru, no auge do senderismo.

Permeando o confronto entre o delírio ideológico dos senderistas e a esperteza fria dos policiais, vai também sendo traçado, com lirismo delicado e envolvente, o caso de amor entre o repórter protagonista e uma líder guerrilheira arrependida dos desmandos senderistas.

É uma receita propícia para deslises narrativos, que Pedriali supera com admirável competência, manejando a linguagem com criatividade, sempre roçando na poesia sem perder o fôlego narrativo. Essa receita é enriquecida pela in­­serção de notícias, corroborando fa­­tos verídicos (o romance parte, por exemplo, do assassinato equivocado de oito jornalistas por camponeses, que julgavam estar ma­­tando senderistas que infernizavam as aldeias em nome da utopia comunista).

O painel de focos e visões divergentes se acentua e ganha pungente humanidade com o depoimento de um camponês ao repórter, inserido ao longo da narrativa, evidenciando a ingenuidade e o sofrimento daqueles que, conforme Camus, “sofrem a História”. Essa terralidade crua ganha, entretanto, magia, por meio de pitadas de realismo fantástico bem dosadas e inseridas de modo a elevar todo o romance a uma redentora espiritualidade.

Também pungente se torna o ro­­mance entre o repórter e a ex-guerrilheira, com momentos de aguda e trágica poesia. Ao final, a sensação é de remissão, diante da evidência de que a arte redime até a má política, justiçando-a com humanidade e beleza. E o chamado romance latino-mericano, que parecia esgotado, renova-se vigorosamente, com uma fineza e uma maturidade também redentoras.

Ressalvado o pecadilho do autor, em algumas passagens, intrometer-se na narrativa com informações que podiam ser fornecidas ao leitor pelo protagonista repórter, a convicção que fica é que nossa literatura ganhou uma obra-prima.

Serviço

Fuga dos Andes, de José Antonio Pedriali. Record, 397 págs., R$ 57,90.

link
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=954179&tit=Romance-latino-americano-e-redentor

terça-feira, 27 de abril de 2010

Fuga dos Andes na visão de um peruano


Por Alejandro Neyra
Escritor e diplomata
Peru

(...)Fuga dos Andes es una novela de acción, dicho esto como un elogio antes que como un intento de clasificación. Se trata de un libro en que la peripecia es también pretexto para acercar al autor a un mundo mágico y extraño: el Perú en 1983, en medio de la crisis económica y del terrorismo, en la época situada alrededor de los crímenes de Uchuraccay, a cuyas víctimas está además dedicado el libro. La historia trata acerca de un periodista brasileño que viene de vacaciones al Perú y se queda como reportero de nuestra guerra interna, por orden de su diario y de su propio corazón, pues el hombre conoce a una peruana misteriosa (...)con quien se verá envuelto en diversos enredos y en una persecución por el sur peruano, en medio de dos fuegos, el de la Policía y el de Sendero Luminoso.

José Pedriali, además de escritor, es periodista, y según él mismo confiesa, vino al Perú muchas veces en los años ochenta como corresponsal de O Estado de Sao Paulo. Esto queda claro en la narración, llena de referencias a lugares, circunstancias y hasta melodías –como “José Antonio” de Chabuca Granda o la guitarra de Raúl García Zárate– y comidas típicas peruanas -el narrador está obsesionado por el cebiche, pero cede a cualquier aventura culinaria (publicidad gratuita que Pedriali hace a la cocina de nuestro país). El ritmo casi cinematográfico de la novela se interrumpe a veces abruptamente por notas a pie y explicaciones que para un peruano resultan sobre-explicativas, pero que dejan ver el origen periodístico del autor y seguramente sirven de guía a lectores menos familiarizados con nuestro país, y que incluyen, también, algunas interesantes anotaciones sobre procesos que marcaron nuestro país y que sirven para tratar de explicar el origen del terrorismo; como, por ejemplo, la reforma agraria de Velasco y la vuelta a la democracia. Al mismo tiempo, existe una parte del relato que tiene que ver con la visión y cosmovisión andina, en la cual se reconocen también lecturas de Scorza y Arguedas que el propio Pedriali asume, y que constituyen probablemente los aspectos mejor logrados del relato.

La novela, que cuenta con mapas y gráficos que permiten seguir la “fuga” de los protagonistas (que pueden encontrarse en el blog de la novela: http://fugadosandes.blogspot.com/) a través de un territorio agreste en el cual no sabemos reconocer a buenos y malos, obsesionados todos por la muerte del prójimo, muchas veces sin importar razones, nos aproxima a la época más absurda y cruel de nuestra historia. La experiencia de Pedriali en el Perú se complementa con el informe de la Comisión de la Verdad, al cual el autor hace referencia no solo en algunas notas sino también en el último capítulo de la novela (...)

Fuga dos Andes es una novela trepidante y emotiva, en la que se descubre un enorme cariño por ese país tristemente trágico que hoy a veces no recordamos: el Perú de hace poco más de veinticinco años, lleno de contradicciones y muertes insensatas como las de Uchuraccay y todas las demasiadas otras desapariciones que llenan las cuatrocientas páginas de Fuga. Un país en el que como (casi) siempre, y hasta hoy, las mujeres resultan las protagonistas principales. Beatriz, la protagonista de la obra, le dice al periodista brasileño, casi al conocerlo en medio del Convento de Santa Catalina en Arequipa: “Es apenas una advertencia. Usted es extranjero y nosotros, las peruanas, solemos ser fatales para los extranjeros”.

Beatriz es (...) Joven ayacuchana de ojos esmeralda, nariz pequeña y afilada, cuello largo y delicado, rostro ligeramente moreno, formas armoniosas, pelo lacio “a lo chanel”. Luego de leer la novela, uno queda enamorado también de la mujer idealista y hermosa –quizás exageradamente silenciosa tratándose de una peruana- que resulta a la vez inaccesible y confusa, sufrida alma de varias personalidades que conquista al periodista brasileño (y que en cierto modo existió como nos confesó el propio autor). Bien vista, la novela es un homenaje a la mujer peruana, protagonista de Fuga dos Andes y de nuestra propia historia. Como para que no queden dudas de que las peruanas de ficción son también -como las peruanas de carne y hueso- complicadas y previsiblemente encantadoras. Felizmente.


texto completo em http://www.elhablador.com/blog/