terça-feira, 15 de junho de 2010

Amor e violência nos Andes



José Antonio Pedriali lança amanhã em Londrina o romance Fuga nos Andes, uma aventura nos tempos do terrível Sendero Luminoso
06/11/2009


O jornalista e escritor londrinense José Antonio Pedriali lança amanhã em Londrina o romance Fuga dos Andes (Record, 404 páginas), seu primeiro livro de ficção. Repórter e editor experiente, com passagens pela imprensa local e nacional, Pedriali combina a precisão e a clareza do relato jornalístico com a influência de autores da literatura latino-americana, notadamente Gabriel García-Márquez, Manoel Scorza e Mario Vargas Llosa.

O livro conta a história de Humberto Morabito, um jornalista paranaense que está no Peru em 1983, quando o grupo terrorista Sendero Luminoso espalhava terror pelo país latino-americano. Morabito vive uma história de amor e aventura sob o signo da violência. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista por e-mail com o autor.

Serviço – Fuga dos Andes – Lançamento em Londrina. Amanhã (sábado), às 20h, no Bar Brasil (Rua Hugo Cabral, 757). Informações: 3323-4418.

JL: Como surgiu a ideia para escrever Fuga dos Andes?

José Antonio Pedriali: Quando visitei Ayacucho, Peru, pela primeira vez, em 1983, viagem que resultou numa série de reportagens, publicadas no ano seguinte por um jornal de São Paulo de circulação nacional. Encontrei um cenário que só havia visto em filmes: uma cidade de arquitetura colonial, habitada por uma população predominantemente indígena, cercada por montanhas – montanhas históricas, pois elas assistiram à última batalha pela independência da América, em 1824 – e dominada pelo medo. Foi lá que o Sendero Luminoso surgiu, três anos antes, tendo como núcleo central a Universidade de Huamanga. Lá convivi com o medo coletivo, desviei-me, para não ser atropelado, de viaturas militares e blindados de presença ostensiva, apanhei de um soldado, obtive uma fonte preciosa na cúpula do exército e testemunhei uma morte no hotel em que me hospedava. Escrevi o livro 23 anos depois, em 100 dias.

Como você definiria Fuga dos Andes?

O livro é o contraponto da beleza – o amor entre Humberto e Beatriz – e o ódio – a violência desatada pelo Sendero. E um tratado sobre as consequências do fanatismo, qualquer que seja a roupagem que assuma.

O protagonista Humberto Morabito é um jornalista paranaense que trabalha em um grande veículo de São Paulo. O quanto de José Antonio Pedriali há em Morabito?

Humberto Morabito é José Antonio Pedriali até meados do décimo capítulo. Ali, quando começa a ação que inspirou o nome ao livro, os acontecimentos são fruto da imaginação do autor. E Beatriz, de todos os personagens, a que vive a situação mais dramática, cruzou o caminho de José Antonio Pedriali, atrasando seu encontro com os jornalistas que viriam a ser massacrados em Uchuraccay. Sim, eu tinha viagem marcada para encontrá-los. Devo, portanto, a vida a ela. Mas quem é ela? Tenho o direito – e o dever – de preservar sua identidade.

Para você, existe algo como uma literatura ou jornalismo norte-paranaense?

O Norte do Paraná foi uma escola de jornalismo dos anos 50 aos 80. Aqui brotaram grandes nomes, famosos ou não, mas profissionais de excelente qualidade, que cedem ou cederam seu talento à imprensa regional e nacional. Pena que esta época áurea tenha acabado. E quanto à literatura, temos um escritor que se destaca no cenário nacional, Domingos Pellegrini, o Dinho. Um grande talento, de imaginação fecunda e invejável versatilidade linguística. Dinho é um mestre das letras.

No Brasil existe o MST, um movimento de assumida inspiração maoísta. Descontadas as diferenças culturais entre Brasil e Peru, há termos de comparação entre o MST e o Sendero? Há pontos de equivalência ou proximidade entre os dois movimentos?

O MST é uma organização clandestina, já que não existe juridicamente, financiada pelo governo federal e cuja finalidade é dar sustento aos seus líderes e cesta básica a seus membros em troca de uma campanha incessante contra os produtores rurais. Invade e depreda propriedades e, em muitos casos, recorre à violência – e também é vítima dela, já que a toda ação corresponde uma reação, e é compreensível que os proprietários rurais reajam à agressão de que são vítimas. A reforma agrária, bandeira do MST, é um projeto falido, pois, por mais que seus líderes e o Incra batam o pé, os milhões de hectares distribuídos aos sem-terra não produzem nada, ou quase nada. O Sendero Luminoso despontou como guerrilha rural, associando essa frente de combate ao terrorismo urbano. Seu objetivo era a conquista do poder e, para isso, o emprego da violência, e quanto mais violência, melhor, era considerado o instrumento mais eficiente. Conclui-se, portanto, que o objetivo e os métodos dos dois movimentos são divergentes.

Como você vê o chamado bolivarianismo?

Seriam Chávez e seus epígonos capazes de inspirar um romance (picaresco, ao menos)? Oliver Stone acaba de lançar um filme baseado na vida de Chávez. Se é assim, por que não um livro? O trabalho poderia se inspirar em dois clássicos de Garcia Marquez, “Ninguém escreve ao coronel” e “O outono do patriarca”. Logo, logo, Chávez enfrentará o seu outono... a Venezuela está se exaurindo, lenta e inexoravelmente. Até quando os venezuelanos irão suportar Chávez? Até que os cofres públicos não consigam mais financiar as bolsas-famílias de lá... O bolivarianismo é o rótulo de um programa autoritário, centralizador e que visa perenizar no poder seu mentor e protagonista, Chávez. Mas, como todos os ditadores – pois Chávez é isso: um ditador que se apropriou dos os instrumentos da democracia para a consumação de seu projeto –, o fim é o destino certo e inevitável. A que distância está o fim? O Tesouro venezuelano é que irá determiná-la.

Fale-me sobre as suas principais influências literárias, além das que você já apontou (García-Márquez, Scorza e Vargas Llosa).

Li muitos autores europeus e norte-americanos, mas os latino-americanos são os que mais me impressionam. Devoto a eles profunda veneração e gratidão. Garcia Márquez é o mais destacado de todos – pudera, é autor de Cem Anos de Solidão! -, mas há grandes autores pouco divulgados: o chileno José Donoso e o paraguaio Augusto Roa Bastos, por exemplo. A literatura latino-americana pontificou nas décadas de 60 a 80 e, como tudo o que é humano, acabou perdendo espaço para escritores de outras nacionalidades. A moda recentemente, tem sido ou foi – pois está no limiar da decadência - a literatura afegã. A literatura latino-americana perdeu espaço, mas seus realizadores continuam produzindo – e continuam grandes.

Em certos momentos, você opta por uma linguagem próxima à do cinema. Este livro dá um filme?

Filme? Oba! Onde? Quando? Conte comigo. Gostaria de assistir a Fuga dos Andes. Será um filme sensacional.

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