quinta-feira, 12 de novembro de 2009

TRECHO

O BURRICO RELINCHOU TRÊS VEZES, despertando os fugitivos. Relinchou, coiceou o ar e agitou o rabo.

- Ele sempre age assim ao amanhecer. Talvez pense que é um galo, o galo peruano, que dança enquanto canta – comentou Celestino. Enrolava a manta sobre a qual descansara durante uma hora.

Beatriz e Humberto imitaram Celestino, que lhes passou o cantil e um pacote de biscoitos – “refestelem-se, jovens”, disse – e anunciou que logo começariam a descer, mas que não exultassem porque, assim que terminassem a descida – e lá os esperava um rio -, voltariam a subir, e depois que subissem desceriam novamente – e outro rio os aguardava - e subiriam de novo e desceriam mais uma vez até alcançar outro rio. Fariam isso tantas vezes quantas fossem necessárias para chegar à planície, e quando desembarcassem na planície teriam deixado definitivamente os Andes. Estariam enfronhados na profundeza da Amazônia, onde, segundo Celestino, “nem a mais poderosa legião de demônios será capaz de nos encontrar”.

O dia chegou onde estavam os fugitivos muito depois que em outros lugares, porque a copa das árvores relutou em permitir a passagem da luz, e quando lhe cedeu caminho se abriu apenas para uma parte dela. Alcançaram uma trilha empedrada – “há dezenas desses caminhos por aqui”, explicou Celestino, e Beatriz completou dizendo que, além de construir cidades na selva, os incas fugitivos as interligaram por uma complexa rede viária, aplicando os conhecimentos adquiridos na construção do Cápac Ñan, o Grande Caminho. Esse caminho, de vinte e três mil quilômetros – limitando-se ao que havia sido catalogado – e traçado sobre um dos terrenos mais abruptos do mundo, unia e dotava de um sistema de transporte, administrativo e de comunicações as quatro divisões básicas do Tawantisuyo, o império incaico - o Antisuyo, Contisuyo, Chinchaisuyo e o Collasuyo.

- Estamos no Paititi, o último refúgio dos incas, onde eles lutaram, a partir de Vilcabamba, a Velha, durante quarenta anos contra os conquistadores – explicou Beatriz. – Foi a partir daqui que Tupac Amaru, o último soberano inca, fustigava os espanhóis, e aqui ele foi capturado.

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